Nota Introdutória
Parecendo um jogo de palavras em ‘P’, mas ao nosso ver a frase retrata uma realidade recentemente verificada em Moçambique. Vão-se décadas que as palavras planificação participativa constam de políticas e programas públicos, assim como projectos da sociedade civil, privados entre outros. Mesmo assim, tem sido deturpadas pelas práticas dos actores tanto das políticas públicas e como de todos restantes. O processo de elaboração do PEN III conseguiu se fazer escapar a cultura de imposição de planos, constituindo, provavelmente a primeira política pública que reune maiores consensos dos actores e beneficiários do mesmo. Para sustentar o nosso ponto de vista iremos: 1) nos debruçar sobre o conceito de política pública; 2) o seu desenvolvimento no contexto democrático; 3) recapitular o processo da elaboração do PEN III e; 4) um espaço para debate, começando com as nossas percepções gerais e recomendativas.
Conceito de Política Pública
Não existe uma definição acabada e consensual do conceito de política pública, por isso diferentes definições, baseadas principalmente nas matrizes teóricas dominantes (no contexto e no autor) foram elaboradas. Mas um elemento fundamental de unificação das ideias do conceito é de que a política publica “interpreta os valores da sociedade e é normalmente incorporada na gestão de projectos e programas pertinentes”.[1] Por exemplo Thomas R. Dye define a política pública na acção ou inacção do governo, isto é, tudo que o governo decide fazer ou não fazer deve ser visto na arena da política pública para esse governo.[2]
No nosso contexto (de democracia) interessa-nos mais a visão de David Easton, segundo a qual a política publica retrata a alocação autoritativa (em tanto que poder legítimo) pelo governo, de recursos escaços em uma sociedade.[3] Easton defende uma visão sistémica com a qual a política pública (vista como output) deve reflectir as preocupações e apoios da sociedade (inputs) para a qual é dirigida[4] e, mecanismos legislativos devem a tornar autoritativa, com o governo responsável por assegurar a sua implementação efectiva.[5]
De uma forma geral as políticas públicas, como sistematizadoras de valores da sociedade devem tomar como fontes a manifesto eleitoral do partido no poder (partindo-se do princípio que é o compromisso que assumira com o povo a quando da sua concorrência no pleito); documentos oficiais de discussão (artigos, green papers, white pepers, etc); legislação e os processos legislativos; o orçamento; posicionamento e discursos políticos; acordos internacionais e inter-estatais e; as acções dos decisores políticos.[6]
Desenvolvimento de Políticas no Contexto Democrático
No contexto de políticas públicas a planificação obedece a um processo, que pode ser visto por diferentes teóricos como linear ou cíclico. As novas políticas públicas tendem sempre a reflectir em grande escala o desenvolvimento das suas antecessoras. Mesmo assim, este processo não se caracteriza por estágios nitidamente demarcados e sucessivos. Contudo, é preciso se estabelecer os diferentes momentos (de acção) no processo, na realidade não implica que se vai seguir a uma sequência cronológica. Os principais momentos da planificação (em políticas públicas) incluem: identificação de problemas; estabelecimento da agenda; formulação e tomada de decisão; legitimação; implementação e; avaliação da política. O que Easton resume por inputs, conversão, output e feedback.[7]
Num contexto de democracia o processo do desenvolvimento das políticas públicas deve tomar em consideração principalmente a opinião pública (média, polos de opinião ou inquéritos e o plebiscito) e a opinião das elites (escalões de liderança, activistas políticos e indivíduos influentes), isto é, deve ser conduzido um processo participativo.[8] Botha (1999), em Politic as a Social Activity, identifica três mecanismos de planificação quanto a participação com respectivos regimes (do mais autoritário ao democrático). Os mecanismos podem desconsiderar por completo as opiniões fora do aparelho governamental (planificação autoritária) ou; conduzir uma consultação, mas com a decisão final unilateral do governo (planificação consultativa) ou; auscultar a sociedade e incorporar as suas opiniões na política final (palnificação participativa).
O Processo da Elaboração do PEN III
“O Plano Estratégico Nacional de Resposta ao HIV/SIDA 2010-2014 [abreviado em PEN III] é um documento do Governo que aborda as políticas e estratégias para o combate a esta epidemia [HIV e SIDA]...” (CNCS, 2010).[9] Em outras palavras o PEN III é, portanto, uma política pública de âmbito nacional.
Como se refere no próprio plano, a sua formulação “assumiu um carácter participativo e de busca de consensos mais amplos... [tendo involvido] vários sectores e segmentos organizacionais que intervêm nas acções de resposta ao SIDA em Moçambique.”[10] O PEN III, embora tenha sido desenvolvido em curto espaço de tempo que o desejado, como dizia Diogo Milagre a quando do processo “devemos mudar a roda com o carro em andamento”, baseou-se em visões e opiniões de actores de diferentes níveis (políticos, executivos, institucionais, sociedade civil, sector privado, académicos, agentes de cooperação multi e bi-laterias, etc.). De facto “...foi estabelecido um Comité orientador, congregando representantes do Sector Público, da Sociedade Civil, do Sector Privado, dos Parceiros Internacionais Bilaterais e Multilaterais... [por outro lado foram engajados] consultores nacionais cuja responsabilidade recaiu sobre a recolha de documentos e de sensibilidades sobre o HIV/SIDA no país, análise e sua transformação em texto estratégico... [enquanto o] Comité facilitou a interpretação dos cenários e expectativas esperadas com o processo e intermediou as várias consultas com os grupos temáticos de trabalho estabelecidos ao nível central e provincial, incluindo os encontros com o Grupo Multisectorial.”[11] Enquanto isso, o processo obedecia “...à orientação voltada para resultados e sustentada pela evidência [neste caso estudos]... levantamento de dados [...] ao nível dos sectores do Estado... grupos de interesse, sendo de destacar a Sociedade Civil (que submeteu os seus pontos de vista através de um manifesto) e o Sector Privado... apreciação e orientações de natureza técnica e estratégica pelo Ministro da Saúde.”[12] Por último o documento foi apresentado, para aprovação do Conselho de Ministros, com a participação de representantes dos actores envolvidos na elaboração deste.
Nota Conclusiva
Como podemos notar, o PEN III constitui provavelmente a primeria política pública, conduzida num processo puramente participativo em toda a história de Moçambique, tendo envolvido os actores e grupos alvos chaves de uma maneira sistemática. As opiniões pública e das elites foram consideravelmente integradas em todo o processo do desenvolvimento do documento até a sua aprovação. No nosso ver, os aspectos levantados em todo o processo de auscultação foram de alguma forma incorporados no documento final aprovado pelo Conselho de Ministros e posto em vigor.
O Processo do desenvolvimento do PEN III estabelece, na nossa óptica, um marco importante para o progresso da democracia no país, merecendo uma atenção especial a capitalizar nos restantes processos políticos nacionais. O sucesso ou fracasso desta política ceteres paribus, pode ser visto não como meramente do governo, mas sim abragente a todos participantes do processo da sua elaboração. É preciso reconhecer que um documento deste nível não pode transcrever a letra as preocupações dos intervenientes, mas agrega-as em directrizes básicas que merecem um desenvolvimento de detalhe no momento da operacionalização.
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