O Espírito e Acção de Cidadania em Moçambique: que forças e estímulos são necessários para prosperar?
É difícil saber, concretamente o que faria a Sofia preferir o João do Fabião ou o João preferir a Sofia da Maria. Acontece que nem elas e eles conseguem encontrar explicações plausíveis para justificar as suas escolhas. Então o que dizer de um terceiro tentar, o exercício de perceber isso? A preferência e acção do ser humano são estimuladas por forças de ordem variada e, por isso, demasiado complexas de entender.
A cidadania é uma das dimensões dos humanos, entendida como sendo de elevada pertinência para a sanidade social nos dias de hoje, que carece de consensos sobre o que a faria prosperar. Entendida como a acção política, na trilogia de acções proposta pela filósofa-política alemã Hannah Arendt, é a que mais interessa ao projecto do desenvolvimento da pessoa humana, porque traz mudanças e move revoluções.
O político americano Gabriel Lincoln, nos oferece um entendimento de sociedade democrática em que se encaixa a cidadania. Também numa trilogia, estabelece a necessidade de “um governo do povo, pelo povo e para o povo”. Trocando em quinhentas, estaríamos a dizer que: 1) o governo do dia é colocado nessa posição pelo povo, ou governo eleito; 2) o governo age de acordo com as aspirações do povo, salientando-se a importância da participação – na arquimética do activista francês-brasileiro Damien Azzard se igualaria a “ser parte + fazer parte + tomar parte” – ou o exercício efectivo da cidadania e; 3) um governo cujos actos e contratos buscam a máxima realização dos interesses do seu povo, seu eleitorado. De facto, as duas primeiras dimensões de Lincoln têm por finalidade a terceira.
Os governos, quando formados e assumidos meramente na base dos resultados das eleições, são máquinas de produção e multiplicação de acções anti-democráticas ou fetichismos, como chamaria o sociólogo-político francês Pierre Bourdieu. Vão impingindo a ideia de que (suas organizações, instituições e programas) são os que melhor representam os interesses e necessidades do seu povo (profanos) e, desta forma, com uma dose de força, vai-se construindo uma tirania. Então, é relevante e de extrema necessidade manter o olho do povo (cidadania) sobre estes, para no mínimo não chegarem ao extremo (tirania), principalmente em sociedades onde os resultados eleitorais são contextáveis por várias razões.
O campo político é uma arena de artemanhas e manobras de profissionais, como bem anota Bourdieu. Este campo reúne um conjunto de critérios de selecção e exclusão para peneirar quem deve entrar e interagir, porque oferece atraentes recompensas. Sem dúvidas, como a senhora Arendt já se apercebera, a política abandonou a sua promessa de ser um veículo de transformação de toda uma sociedade para servir a seus próprios interesses.
Se concordarmos que a forma e nível de actuação política do cidadão exerce algum tipo de pressão sobre o campo dos políticos, incluindo as suas instituições e seus comportamentos, então podemos concluir que aos actuais dominadores desta situação, interessa manter um nível menos actuante de cidadãs e cidadãos. Toda mudança a nível destas e destes deve ser sempre dentro de parâmetros bem controláveis, que não vão alterar significativamente o status quo vigente, para não desmantelar os privilégios daí resultantes. Ou seja, tudo se faz para manter os fulanos com legitimidade sobre os profanos.
Mas aqui interessa é perceber: que forças ou condições estimulariam o espírito e acção de cidadania, especialmente no contexto de Moçambique, onde prevalece certo nível de impavidez diante de tamanha malade politique (crise da economia, escândalos de corrupção, clientelismos e patrimonialismos, criminalidade, tráfico e até ameaças a guerra) a descoberto e que necessitam, mais do que nunca, de uma camada social mais vibrante?
Certas leituras nos levam a entender que existem, de facto, alguns elementos responsáveis, individualmente ou na sua combinação, pelo estímulo da cidadania. São (apenas) alguns destes:
Acesso a informação – quando o indivíduo passa a saber que tem direito a algo, é certamente o óptimo ponto de partida para o desenvolvimento do espírito cidadão. Não é por acaso que se diz popularmente que o “cidadão informado vale por dois”.
A formação – estamos principalmente a falar da dimensão bem tradicional que parte da família, comunidade e cultura até a formação formal (quando o sector de ensino e aprendizagem oferece condições necessárias para criar mudanças significativas em habilidades cognitivas do indivíduo).
A organização – quando os indivíduos encontram plataformas para associar as suas preocupações, trocar ideias e organizar melhor o seu entendimento das mesmas e, assim como, das condições vigentes, favoráveis ou desfavoráveis a sua actuação política.
A condição social e económica – aqui há que incluir a idade, poder, estatuto como aspectos relevantes. Costuma-se dizer que “quando se tem pouco ou nada a perder, se tem muito ou tudo a ganhar”. As teorias da psicologia política fazem uma descrição bem aprofundada desta dimensão. É também importante referir os que pagam taxas e impostos, sendo indivíduos com forte potencial de serem exigentes.
Queremos defender, com isto, que não está tudo perdido, há tempo e algumas condições estabelecidas e outras em surgimento para se iniciar a mudança. A cidadania, mais do que mero direito, tangível ou não, é uma condição humana que se forma a partir de cada indivíduo, família, comunidade e até as instituições, pelo questionamento pontual e contínuo sobre tudo e todos e, nunca dado de bandeja. Entretanto, é condicionada por aqueles a quem não interessa hoje a mudança, pois estão em posições de conforto. Estes não vão parar de desencorajar, desvalorizar e reprimir quaisquer iniciativas de mulheres e homens que adoptam comportamentos, atitudes e práticas conducentes a actuação cidadã.
O nosso quadro constitucional e organizacional, em Moçambique, está repleto de janelas de oportunidades que podem ser bem exploradas para contrariar a essas forças contrárias à cidadania e, fazer da nossa sociedade o que bem sonhamos. A Constituição da República de Moçambique (2004) oferece um conjunto de aberturas, sobretudo no capítulo dos Direitos e Liberdades Fundamentais, entre outros, a Lei do Direito a Informação (de 31 Dezembro de 2015), a Assembleia da República, as Assembleias Provinciais, os Comités Locais, Organizações da Sociedade Civil, Redes Sociais (nos aparelhos em nossas mãos), Jornais, Revistas e Televisões, etc.
A cidadania é um bem muito precioso que todas e todos devemos adoptar e acarinhar se desejamos construir instituições e comportamentos que vão de encontro aos projectos de tod@s mulheres e homens na nossa sociedade.
A cidadania é uma das dimensões dos humanos, entendida como sendo de elevada pertinência para a sanidade social nos dias de hoje, que carece de consensos sobre o que a faria prosperar. Entendida como a acção política, na trilogia de acções proposta pela filósofa-política alemã Hannah Arendt, é a que mais interessa ao projecto do desenvolvimento da pessoa humana, porque traz mudanças e move revoluções.
O político americano Gabriel Lincoln, nos oferece um entendimento de sociedade democrática em que se encaixa a cidadania. Também numa trilogia, estabelece a necessidade de “um governo do povo, pelo povo e para o povo”. Trocando em quinhentas, estaríamos a dizer que: 1) o governo do dia é colocado nessa posição pelo povo, ou governo eleito; 2) o governo age de acordo com as aspirações do povo, salientando-se a importância da participação – na arquimética do activista francês-brasileiro Damien Azzard se igualaria a “ser parte + fazer parte + tomar parte” – ou o exercício efectivo da cidadania e; 3) um governo cujos actos e contratos buscam a máxima realização dos interesses do seu povo, seu eleitorado. De facto, as duas primeiras dimensões de Lincoln têm por finalidade a terceira.
Os governos, quando formados e assumidos meramente na base dos resultados das eleições, são máquinas de produção e multiplicação de acções anti-democráticas ou fetichismos, como chamaria o sociólogo-político francês Pierre Bourdieu. Vão impingindo a ideia de que (suas organizações, instituições e programas) são os que melhor representam os interesses e necessidades do seu povo (profanos) e, desta forma, com uma dose de força, vai-se construindo uma tirania. Então, é relevante e de extrema necessidade manter o olho do povo (cidadania) sobre estes, para no mínimo não chegarem ao extremo (tirania), principalmente em sociedades onde os resultados eleitorais são contextáveis por várias razões.
O campo político é uma arena de artemanhas e manobras de profissionais, como bem anota Bourdieu. Este campo reúne um conjunto de critérios de selecção e exclusão para peneirar quem deve entrar e interagir, porque oferece atraentes recompensas. Sem dúvidas, como a senhora Arendt já se apercebera, a política abandonou a sua promessa de ser um veículo de transformação de toda uma sociedade para servir a seus próprios interesses.
Se concordarmos que a forma e nível de actuação política do cidadão exerce algum tipo de pressão sobre o campo dos políticos, incluindo as suas instituições e seus comportamentos, então podemos concluir que aos actuais dominadores desta situação, interessa manter um nível menos actuante de cidadãs e cidadãos. Toda mudança a nível destas e destes deve ser sempre dentro de parâmetros bem controláveis, que não vão alterar significativamente o status quo vigente, para não desmantelar os privilégios daí resultantes. Ou seja, tudo se faz para manter os fulanos com legitimidade sobre os profanos.
Mas aqui interessa é perceber: que forças ou condições estimulariam o espírito e acção de cidadania, especialmente no contexto de Moçambique, onde prevalece certo nível de impavidez diante de tamanha malade politique (crise da economia, escândalos de corrupção, clientelismos e patrimonialismos, criminalidade, tráfico e até ameaças a guerra) a descoberto e que necessitam, mais do que nunca, de uma camada social mais vibrante?
Certas leituras nos levam a entender que existem, de facto, alguns elementos responsáveis, individualmente ou na sua combinação, pelo estímulo da cidadania. São (apenas) alguns destes:
Acesso a informação – quando o indivíduo passa a saber que tem direito a algo, é certamente o óptimo ponto de partida para o desenvolvimento do espírito cidadão. Não é por acaso que se diz popularmente que o “cidadão informado vale por dois”.
A formação – estamos principalmente a falar da dimensão bem tradicional que parte da família, comunidade e cultura até a formação formal (quando o sector de ensino e aprendizagem oferece condições necessárias para criar mudanças significativas em habilidades cognitivas do indivíduo).
A organização – quando os indivíduos encontram plataformas para associar as suas preocupações, trocar ideias e organizar melhor o seu entendimento das mesmas e, assim como, das condições vigentes, favoráveis ou desfavoráveis a sua actuação política.
A condição social e económica – aqui há que incluir a idade, poder, estatuto como aspectos relevantes. Costuma-se dizer que “quando se tem pouco ou nada a perder, se tem muito ou tudo a ganhar”. As teorias da psicologia política fazem uma descrição bem aprofundada desta dimensão. É também importante referir os que pagam taxas e impostos, sendo indivíduos com forte potencial de serem exigentes.
Queremos defender, com isto, que não está tudo perdido, há tempo e algumas condições estabelecidas e outras em surgimento para se iniciar a mudança. A cidadania, mais do que mero direito, tangível ou não, é uma condição humana que se forma a partir de cada indivíduo, família, comunidade e até as instituições, pelo questionamento pontual e contínuo sobre tudo e todos e, nunca dado de bandeja. Entretanto, é condicionada por aqueles a quem não interessa hoje a mudança, pois estão em posições de conforto. Estes não vão parar de desencorajar, desvalorizar e reprimir quaisquer iniciativas de mulheres e homens que adoptam comportamentos, atitudes e práticas conducentes a actuação cidadã.
O nosso quadro constitucional e organizacional, em Moçambique, está repleto de janelas de oportunidades que podem ser bem exploradas para contrariar a essas forças contrárias à cidadania e, fazer da nossa sociedade o que bem sonhamos. A Constituição da República de Moçambique (2004) oferece um conjunto de aberturas, sobretudo no capítulo dos Direitos e Liberdades Fundamentais, entre outros, a Lei do Direito a Informação (de 31 Dezembro de 2015), a Assembleia da República, as Assembleias Provinciais, os Comités Locais, Organizações da Sociedade Civil, Redes Sociais (nos aparelhos em nossas mãos), Jornais, Revistas e Televisões, etc.
A cidadania é um bem muito precioso que todas e todos devemos adoptar e acarinhar se desejamos construir instituições e comportamentos que vão de encontro aos projectos de tod@s mulheres e homens na nossa sociedade.
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