Não se pergunta a um esfomeado se quer
comida, de tal forma que não tem sentido perguntar a um cego se gostaria de
poder vislumbrar a beleza da natureza. Em nossa tradição, em qualquer das
situações, seria no mínimo um insulto se não troça.
A corrida para os mega-projectos em Moçambique, foi acompanhada
por vários outros fenómenos. Um destes fenómenos foi o rápido crescimento da
indústria imobiliária, sobretudo nas principais regiões urbanas e seus
arredores. Num abrir e fechar do olho, subiam os preços do arrendamento de
forma drástica e complementarmente, assim como por consequência, a construção
de novos edifícios, com a respectiva busca de terrenos, para novas moradias, escritórios
entre outros. Enquanto, por um lado isso explicava uma disponibilidade de muito
dinheiro nas mãos de uns poucos que se envolviam como compradores no negócio, porque
agraciados pela bênção de estarem na posição de vantagem no momento certo, por outro prenunciava um problema gigante para os menos favorecidos, a
exclusão social e económica. Neste artigo, interessa explorar a questão da
exclusão das camadas desfavorecidas, sobretudo nas dimensões social e económica,
em resultado do crescimento, e não desenvolvimento como se tem propalado,
porque a nosso ver não pode existir desenvolvimento sem inclusão, com o mercado
da imobiliária.
Comecemos então por apresentar o nosso entendimento sobre os
conceitos de inclusão e, por conseguinte a exclusão social e económicas para
estabelece balizas a nossa discussão. O ideal de inclusão social, pressupõe a
alocação de meios de vária ordem (política, legal e material) para combater o
seu avesso, a exclusão da vida em sociedade, de uns pelos outros. Implica
providenciar, aos mais necessitados, oportunidades de aceder a bens e serviços
de modo a assegurar benefícios para todas mulheres e todos homens numa sociedade,
sem discriminação. Brumer, Pavei e Mocelin (2004) estabelecem que a inclusão
social envolve "a participação na condição de cidadão na sociedade, com os
mesmos direitos e deveres dos demais membros dessa sociedade". Citando
Marshall (1965), explicam que essa participação deve resultar em assegurar os
direitos sociais que "compreendem o bem estar do individuo, isto é,
direito a segurança, ao trabalho, ao lazer, a educação, a saúde entre
outros".
Quanto a exclusão, vamos nos apegar à
definição da Comissão das Comunidades Europeias (2003) segundo a qual “é um
processo através do qual certos indivíduos são empurrados para a margem da
sociedade e impedidos de nela participarem plenamente em virtude da sua pobreza
ou falta de competências básicas e de oportunidades de aprendizagem ao longo da
vida, ou ainda em resultado de descriminação”. Por isso Kowarick (2003)
estabelece que o combate a exclusão social, portanto a inclusão passa por “os
estados desenvolverem programas de combate a vulnerabilidades sociais de grupos
desfavorecidos”.
Voltando ao nosso ponto concreto de
interesse, dizíamos que de uns tempos para cá, tem se notado uma dinâmica de
crescimento do negocio de compra e vendas de residências e terrenos nas
principais cidades e os seus subúrbios em Moçambique, com destaque ao Maputo,
por indivíduos da elite com dinheiro de famílias necessitadas. Este negócio vem
dar espaço a novas moradias, escritórios, parques de comercialização de
viaturas entre outros negócios, envolvendo significativas somas de dinheiro. Ora,
o negócio da venda e compra de residências ou terrenos, em si, dado que todos
os mecanismos legais vigentes foram respeitados não constitui um problema ao
nosso interesse.
Importa, porém despertar o quanto ele
pode ser benéfico ou prejudicial, sobretudo na lógica da inclusão ou exclusão
sócio-económicas. De partida, salta um aspecto bastante positivo - o negócio
pode ser entendido como um mecanismo de assegurar a re-distribuição da renda
proveniente dos projectos que trazem o tão almejado crescimento de indivíduos
da nata para os assolados pela pobreza, e, também uma oportunidade de começarem
uma nova vida em locais de sua escolha, com construções de moradias melhoradas
a seu gosto como se tem notado, entre outras mudanças positivas. Por outro
lado, entendida a nossa construção da inclusão/exclusão o negocio vem reproduzir
e multiplicar um conjunto de exclusões de famílias desfavorecidas, portanto já
excluídas.
Vamos tentar nos apegar ao entendimento de Nelson Mandela
(2013) quanto a actuação do regime do
apartheid na exclusão dos não brancos, sobretudo os negros. Mandela estabelece,
por exemplo, que o regime branco do apartheid não desenvolvia infra-estruturas,
sanidade e organização dos bairros suburbanos, como foi o caso de Sowetho, para pressionar as populações
lá residentes a abandonarem as cidades, deixando as livres para a classe privilegiada da população
branca, que formava a gema da elite do regime.
Fazendo um paralelo com este
entendimento, verificamos que deste lado, desde o período colonial até data de
hoje (mais de 40 anos pós-independência), na cidade do Maputo, os barros
suburbanos ou periféricos são habitados por mulheres e homens de baixa renda,
com pouca ou nenhuma influência nas decisões políticas e económicas, sendo
negligenciadas em vários planos do aparelho da Administração Pública. Aqui,
verificamos o primeiro nível de exclusão, como em Mandela, manifesto na
privação e discriminação quanto a distribuição dos serviços e bens públicos. São
estes bairros que, negligenciados, são formam antros de violência, consumo desmedido
de bebidas alcoólicas e outro tipo de drogas pelos jovens, desemprego, e são os
mais afectados por cortes de energia eléctrica, abastecimento de água, pobres
unidades sanitárias, etc.
São as famílias dos mesmos bairros que, devido a sua condição de exclusão, em
primeiro nível, acabam aceitando se envolverem no negócio da venda de suas
moradias e terrenos a elementos da elite privilegiada. Como já dizíamos, bem no
início deste artigo, que a um faminto não se pergunta se interessa o pão, mesmo
que este seja prejudicial a sua saúde, porque a fome lhe toma o controle da
razão. Em primeira instância, também defendemos que, não há problema em estas
famílias se envolverem no negócio, dado que as leis são respeitadas. No
entanto, acontece que ao venderem as suas residências, estas famílias vão se
instalar nos famosos novos bairros, ou zonas
de expansão da cidade. Acontece que, nestes bairros, a vida vai ser
iniciada do zero, com uma privação de
acesso a serviços e bens públicos talvez pior que nos bairros de origem. Estes
locais de novas moradias não são alocados o transporte, segurança, electricidade,
água, hospitais, mercados, etc. De facto, com o andar do tempo, os seus novos moradores vão se apercebendo que
foram, com um consentimento não bem informado e, por isso fora da razão, devido
a situação de privação e exclusão a que já se encontravam, empurrados para uma situação
ainda mais degradante. Num negócio que aparentemente beneficia, em primeira
instância, estas mulheres e homens vão ser empurradas a locais que tornam o custo
de vida mais caro e insuportável. Não é por acaso que assistimos hoje mulheres
e homens, de muita responsabilidade na nossa sociedade, economia, política e
cultura, amontoados em carros caixas-aberta ou na gíria ‘my love’, feitos animais domésticos, porque as novas zonas de onde vem não oferecem este básico serviço. Nestas
condições, não restam dúvidas, são igualmente limitados das escassas
oportunidades de acesso ao emprego pela sua actual localização geográfica.
Queremos, portanto defender, neste
artigo que, o negócio de venda de casas e talhões pelas famílias nas zonas
suburbanas, é motivado e facilitado pela condição de pobreza e privação, ou
seja a exclusão sócio-económica, em que as concessionárias se encontram.
Enquanto as famílias se envolvem nestes negócios, julgando que poderão buscar
algum alívio da condição social e económica inicial, elas acabam sendo atiradas
a uma situação pior do que a vigente. Ou seja, neste negócio se verifica um
processo de exclusão, pelo afastamento destas famílias (já excluídas) de
oportunidades de acesso a serviços e bens públicos essenciais.
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