Parece
se tornar cada vez mais evidente que o desenvolvimento de Moçambique está a ser
assombrado por uma corrupção generalizada e persistente. Podendo ser entedida como
um sintoma de desequilíbrios estruturais, a corrupção constitui uma ameaça real,
que mina o futuro progresso, o combate á pobreza e o desenvolvimento da ‘Terra Gloriosa… (ou) Pátria Amada’ como lhe apelida o seu
hino nacional.
Numa
tentativa de nos oferecer uma definição mais simples, mas de certo modo
abrangente, P. Dininio (2002) a percebe como sendo “abuso de ofício
confiado para (obter) ganhos privados.
Em outras palavras, esta definição sugere-nos um senário em que “alguém utiliza
a sua posição para se apropriar de
benefícios que podem ser em forma de dinheiro ou não… (sendo que este)
benefício apropriado fará falta em algum lugar e isso (o apropriar) contribuirá
para o empobrecimento de pessoas dependentes destes recursos (apropriados)”
(CALDAS & PEREIRA, 2007:18).
Não é
novidade que, no dia a dia, tod@s mulheres e homens se tem confrontado com
pequenos casos de corrupção administrativa: desde os postos de controlo
policial, unidades sanitárias, escolas, departamentos do governo, etc. Não nos
tem passado despercebidos os casos da grande corrupção, manifestos no desvio de
avultadas somas de dinheiros do erário público e no mau comportamento e abusos
de ordem variada – desde favoritismos e o nepotismo nas nomeações e aquisições
do Estado, conflitos de interesse e transacções internas que beneficiam amigos,
parentes e aliados políticos, bem como decisões de partidos políticos e
eleitorais que reduzem as escolhas democráticas e a participação dos cidadãos –
involvendo níveis mais altos do governo. Já notava a mais de uma década um
relatório da USAID (2005) sobre o assunto:
A corrupção tem vindo a
alastrar-se rapidamente ao longo dos últimos 20 anos, tendo agora atingido
praticamente todos os sectores, funções e níveis do governo. O nível e o âmbito
da corrupção em Moçambique atingiram níveis alarmantes e potencialmente
representa um risco para a governação democrática nascente no país. A corrupção
é tão endémica que se tornou norma para os cidadãos e homens de negócios, os
quais a toleram para conseguir que os assuntos sejam resolvidos e ter acesso
aos serviços públicos básicos. Os funcionários do Estado de escalão inferior
utilizam a corrupção como suplemento das suas magras receitas, enquanto que os
funcionários de nível sénior recorrem à corrupção para aumentarem a sua riqueza
e fortalecerem o poder político, enquanto que as elites económicas utilizam-na
para consolidarem a sua posição e impedirem a concorrência.
Porque
a corrupção coloca em risco as possibilidades do estabelecimento de um sistema
de governação democrática eficaz e, por isso compromete o sucesso dos esforços
de desenvolvimento do país, fora o facto de estar a re-acender a agenda do
debate da actualidade, nos interessa trazermos nossas contribuições sobre o
fenómeno. Obviamente, não se tratam de ideias totalmente individuais, pois já
muito se falou e se escreveu sobre a matéria, pelo que seria em vão, e até engano
pensar que podemos se quer tentar re-inventar a roda. Nestes dias de calor solar
intenso, capaz de provocar a ebolição aos miólos de qualquer pessoa, vale a
pena juntar a voz ao grito do apelo ao socorro a ver se nos cai do polo norte
um pedacinho de gelo.
Embora
seja um fenómeno de longa data, a corrupção passou a ser objecto de análises
mais consistentes, com algumas bases científicas, a partir da década de
setenta, havendo levado inclusive a organizações não-governamentais a se
estruturarem para lutarem contra o fenômeno em diversos países (CALDAS &
PEREIRA, 2007: 07). Desde lá o combate a corrupção tem figurado na lista das
prioridades de várias instituições pelo planeta, sendo envolvidos muitos
recursos para tal, passando por, em primeira instância encontrar fórmulas que
ajudem a identificar as suas causas e consequências nas sociedades.
Economistas, Cientistas Políticos e Sociólogos se esforçam em produzir, bem ou
mal, sistemáticas apresentações do fenómeno. No entanto, ainda a corrupção não
é algo assim de fácil mensuração. Destes esforços, vieram a surgir, no que veio
ao nosso alcance, duas correntes generalizadoras:
i) a teoria do Caçador de renda (rent-seeking) - entendida naquilo que se chamaria de ‘economia
da corrupção? esta teoria tem por base a ideia de que os agentes económicos
buscam apenas “maximizar o seu bem estar económico” pelo que, estes agentes vão
fazer de tudo incluindo “agir fora das regras de conduta económica e social”
incluindo “monopólios, propinas, subornos, desvios” entre outros meios (CALDAS
& PEREIRA, 2007: 22-3). Uma interessante explicação desta perspectiva nos é
oferecida por Silva (2000):
“A actividade caçadora-de-renda (rent-seeking) constitui um mercado
competitivo,
isto é, diversos agentes tentam, na medida do possível, conquistar privilégios
e transferir renda de outros grupos. Entretanto, somente alguns agentes ou
grupos de agentes conquistarão seus privilégios; o resultado final implica um
disperdício de recursos econômicos”. (CALDAS
& PEREIRA, 2007: 23)
ii) a teoria do principal-agente –
esta teoria tenta apresentar a corrupção em um sistema de relacionamento entre
“um gerente (principal) e um oficial público (agente) dentro da esfera pública”
em que “o principal tem a função de enviar as leis e montar um esquema de
fiscalização…” enquanto que “o agente é o que executa as leis e pode
quebrá-las, mantendo alguns aspectos das leis cumpridos…” assim “o principal
continuará contente com o sistema, até que haja um escândalo ou denúncia”
(CALDAS & PEREIRA, 2007: 25-6). Frisch (1999) e Klitgaard (1988) esclarecem
que “como
resultado da corrupção, controles são ‘driblados’, contractos são
seleccionados, tecnologia ineficiente aplicada, projectos públicos inviáveis
são promovidos e políticas públicas ineficazes são implantadas” (idem).
Ainda
nota Klitgaard (1995) que a informação é a base para o crescimento ou não da
corrupção em um dado país e, ainda, que os países que estão pior em termos de
índices de qualidade de vida são, também os piores. De facto, teóricos da
Escolha Racional, como James Scott (1995) afirmam que a corrupção tende a
beneficiar aqueles que possuem mais informações sobre as regras do jogo.
Ricardo
W. Caldas e Robson C. Pereira (2007: 29-30) notam como causas da corrupção os
seguintes factores:
i) Estrutura Institucional – quanto mais liberdade de acção um agente dispor, maior será a chance
deste se corromper;
ii) Qualidade da Burocracia – quanto pior for a qualidade da burocracia, maior será a chance de um
oficial público se engajar na corrupção;
iii) Estado de Direito – quanto maior a probabilidade de ser descoberto ou se as penas forem
severas, o agente terá menos incentivos de se corromper;
iv) Grau de Abertura da Competição e Comércio – quanto maior abertura no comércio e menos controle estatal, menores
serão os níveis de corrupção;
v) Disparidade de Salários entre o Sector
Público e Privado – quanto maior a disparidade entre os
salários públicos (menores) e privados (maiores), maiores serãos os níveis de
corrupção no sector público;
vi) Acessibilidade de Recursos Naturais – o acesso pouco controlado a recursos naturais favorece a demanda de
projectos complexos e caros para extração e manipulação, favorecendo a corrupção;
e por fim
vii) Factores Culturais ou Sociais – a corrupção pode estar intimamente ligada ao compomisso informal
entre membros de uma família, ou mesmo no seio de uma comunidade.
A corrupção em Moçambique, como nota o
relatório da USAID (2005) é favorecida por: i) falta de controlo e fiscalização
dos três poderes (legislativo, executivo e judicial), ii) a transparência e
acesso limitados à informação; iii) a responsabilização mínima dos funcionários
eleitos; iv) uma cultura de impunidade em que a corrupção persiste porque é
vista como sendo uma actividade de baixo risco e de grande recompensa; v) a
responsabilização do governo perante os cidadãos do país e perante a lei não é
suficiente. O relatório ainda nota que:
Embora existam algumas leis e regulamentos
no papel que constituem o quadro para uma boa governação, na prática existem ou
funcionam poucos mecanismos de controlo para garantir que este quadro funcione
de uma forma honesta, transparente e para o bem do público. Esta dinâmica
funciona ao nível da elite e administrativo. Contudo, é a grande corrupção ao
nível da elite que define e limita a capacidade até mesmo dos indivíduos
corajosos que pretendem fazer a diferença. Os baixos níveis salariais e as más
condições de trabalho tornam os funcionários de nível júnior mais propensos a
participarem em actos de corrupção, mas a liderança pelo exemplo e a
fiscalização efectiva tanto pelo governo, como pelo público são a chave para a
redução da corrupção administrativa.
Ademais, por causa da fragilidade relativa
da sociedade civil, pela incapacidade de os cidadãos comuns responsabilizarem o
governo, e dos elevados níveis de ajuda externa provenientes dos doadores, o
governo de Moçambique é mais responsabilizado pelos doadores do que pelos seus
próprios cidadãos.
A corrupção em Moçambique tem
consequências devastadoras na vida económica, política e social. Ela afasta os
investidores nacionais e estrangeiros, cria vantagens injustas para alguns e
reduz as perspectivas para os pobres. A corrupção constrange a governação
democrática, pois mina o processo judicial, desmantela o estado de direito e
reduz a prestação de serviços públicos essenciais, em particular para os
pobres. Penetra de tal forma no tecido social e cultural do país que parece que
os moçambicanos estão resignados a viver com a corrupção penetrante porque não
vêem de que forma a podem evitar.
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