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Inhambane: Campos minados viram campos fartos de produção

     

 

 Escrito por Ricardo Sousa
Segunda, 16 Abril 2012 08:29

O POVOADO de Mbaule, na sede distrital de Inhassoro, província de Inhambane, onde as comunidades estavam antes sob a ameaça de morte, em consequência da presença de minas terrestres, está agora a revestir-se de verdes campos fartos de diversas culturas alimentares, mercê da desminagem que está a libertar mais terra.
Maputo, Segunda-Feira, 16 de Abril de 2012:: Notícias
Mbaule, que está a sensivelmente sete quilómetros da vila-sede, tem nos verdes campos uma variedade de culturas com destaque para o milho e a mandioca, cuja cor verde das folhas reflecte o bom estado de saúde vegetal das plantas que, dia e noite, se transfiguram no seu corpo e forma. As chuvas registadas em finais de Março tornaram mais favoráveis as condições climatéricas necessárias para uma saúde vegetal mais robusta. Às manhãs, à medida que o sol derrama o feixe luminoso sobre os verdes campos condensa o orvalho formado durante as noites menos quentes, que agora se fazem sentir no extremo norte da província.
O orvalho da noite, que dorme sobre a folharia, ao sentir a irradiação causticante do sol, perde a forma de pequenos cometas bordados sobre as folhas e escorre na forma de lágrimas nas suas nervuras para a terra sedenta que, a cada gotícula absorvida, retribui com umas linguetas de vapor que subitamente se perdem a meia altura.
Os camponeses do povoado de Mbaule, que conhecem a importância destas condições atmosféricas, logo cedo se dirigem aos campos de cultivo. Durante a caminhada, à beira da estrada, acenam, com a mão que não transporta as alfaias agrícolas, para os motoristas que entram ou saem da vila. Enquanto isso, estugam o passo para chegar em boa hora aos verdes campos.
Nos campos, quando os camponeses retiram os tufões de ervas daninhas em competitismo prejudicial à saúde das plantas, afugentam a gafanhotada e os granívoros como rolas e pássaros que logo tratam de buscar refúgio nos ramos dos arbustos que, quando agitados pelos rodopios volúveis da brisa matinal se dispersam no ar, num espectáculo inusitado e típico do reino animal.
A extemporaneidade da campanha agrícola, salvo para as culturas do inverno que está a chegar, não belisca a convicção dos camponeses de ver os seus celeiros intumescidos de gordas espigas que vão, sem a menor sombra de dúvida, garantir o excedente alimentar nos tempos de fome, porquanto só manduca quem trabuca.
Esta nova realidade no contexto da agricultura é fruto da desminagem ali em Mbaule onde, aliás, as comunidades, ansiosas de terra, tomaram de assalto as áreas já livres de minadas mesmo antes do termo dos trabalhos de controlo de qualidade, para a subsequente entrega às autoridades locais.
Para travar a invasão, a “Handicap International”, Organização não governamental (ONG) baseada na França, vocacionada a prevenção da deficiência mas que dada a necessidade de a prevenir acabou por entrar na desminagem e está a clarificar as províncias de Inhambane e Sofala (sul e centro) tratou de chamar o Instituto Nacional de Desminagem (IND) para realizar o controlo de qualidade.
Desta feita, as comunidades circulam livres sobre os campos outrora minados, mas hoje completamente transformados e fartos de culturas. Os residentes que também se dedicam a pecuária, apesar de a maior actividade de subsistência ser a pesca, levam os seus rebanhos de cabras e manadas de bois aos pastos e aos pântanos sem medo de minas.
Ali no povoado estará localizada a futura sede distrital de Inhassoro, porque no actual lugar, mais para o fundo da estrada ao longo da orla marítima, está sob ameaça da erosão costeira que a olhos vistos está a devorar impiedosamente a terra firme e permitir o avanço do mar rumo ao continente.

 

Os avanços da desminagem na província de Inhambane


  Adérito Ismael A HANDICAP INTERNATIONAL, segundo Adérito Ismael, coordenador da desminagem na ONG, iniciou as suas operações em 1998 conseguiu, no triénio 2008/11, livrar do perigo de minas os distritos de Inharrime, Zavala, Panda, Jangamo, Massinga e Morrumbene.
Para 2012, a Handicap tem programado actividades de desminagem para o que resta dos distritos de Vilankulo, Inhassouro e provavelmente Homoine. No ano seguinte, as atenções estarão viradas para os distritos de Mabote, Gouvuro e certamente Homoine. O saldo em Inhambane, segundo Ismael, totaliza 2000 000 milhões de metros quadrados, o mesmo que dizer 100 campos de futebol.
A ONG francesa, diferentemente dos dois outros grandes operadores no terreno, emprega três meios de desminagem (caninos, manuais e mecânicos) capacidade técnica que permitem concretizar avanços na ordem de 2 100 000 a 2 500 000 de metros quadrados por ano.
Os caninos, com capacidade olfactiva altamente desenvolvida e universalmente comprovada, conferem maior celeridade ao processo de desminagem, porque uma equipa de sapadores, com o auxílio de dois cães, pode fazer 40 mil metros quadrados por semana, contra apenas 2 000 feitos no mesmo período por 10 sapadores.
Os cães têm a grande virtude de conseguir detectar a presença das minas mesmo a uma profundidade igual a 20 centímetros da superfície, contra os 13 da capacidade do detector manual. Após a queda da chuva, quando o solo estiver bem humedecido, a habilidade olfactiva aumenta a sua precisão.
Quando ajudam uma equipa manual a trabalhar num local onde a máquina de desminagem mecânica já cortou a vegetação, fica explicado o facto de com a mesma equipa a Handicap International ter passado de 300 a 400 mil metros por ano para os actuais 2 100 000 a 2 500 000 de metros.
Aliás, os caninos além do seu grande mérito traduzido na capacidade de detectar a presença de minas e engenhos explosivos a uma profundidade maior que o detector manual, quando entram em um campo minado com uma elevada presença de destroços metais não perdem tempo com eles, mas sim vão logo de imediato as minas lá presentes.

A maquina de desminagem que complementa os caninos


Maputo, Segunda-Feira, 16 de Abril de 2012:: Notícias
O JAPÃO entregou ao Governo moçambicano, em Maio de 2011, a primeira máquina de desminagem mecânica da marca “HITACHI”, avaliada em pouco mais de um milhão de dólares norte-americanos, destinada a acelerar o programa de acção contra minas no país.
A máquina, com 32 toneladas de peso quando estiver adicionada aos seus acessórios, está totalmente blindada e faz o corte da vegetação, destrói os engenhos explosivos durante o processo de limpeza dos campos minados. Um dos acessórios da máquina com um forte campo magnético efectua, no fim, a limpeza de todo tipo de metais resultantes da fragmentação de minas e outros engenhos explosivos.
Com vista a garantir a operacionalidade da máquina, foram treinados 14 sapadores do Instituto Nacional de Desminagem (IND) e das três Organizações Não Governamentais (ONGs) que operam no ramo, entre elas a “Apopo”, Halo Trust e a Handcap International (este último a trabalhar com a HITACHI), na componente mecânica e operacional.
A HITACHI ficará, durante um ano, com a Handicap International que está a desminar as províncias de Inhambane e Gaza e, segundo o Instituto Nacional de Desminagem (IND), entidade governamental que coordena a actividade no país, não vale a pena tirar a máquina da ONG para depois voltar a entregar, mas sim deixar terminar na primeira província para ser levada à segunda.
Adérito Ismael, coordenador da desminagem na Handicap, disse que apesar de estar ainda na sua fase experimental, a HITACHI é multi-operacional dado que corta a vegetação e inclusive remove a terra.
A Handicap tem três máquinas “Tempest” controladas a remoto, que servem também para cortar a vegetação. A primeira experiência deu a impressão de que todas trabalham mais ou menos a mesma velocidade, porém a HITACHI faz mais do que cortar a vegetação e a área preparada por ela é mais tratada se comparada ao mesmo espaço onde se meteu a Tempest.
A HITACHI tem uma componente que ajuda até na remoção da terra e se tomado em consideração que as minas estão entre um e 13 centímetros, com esta máquina é também possível colocar a descoberto algumas minas o que pode até facilitar a busca quer pelos caninos quer pelos sapadores.
Aliás, considerando que o cão fareja as minas e outros engenhos com muito mais rapidez do que os detectores de metais, mas ambos têm de trabalhar na terra, então a vegetação tem de ser cortada pelas máquinas, gerando assim um efeito coexistencial e complementar.
Estes dois métodos superaram a desminagem manual que tem dois aspectos concorrentes para o seu progresso lento, o corte da vegetação e a investigação dos metais. Todas as vezes que um desminador encontra um metal tem de investigar engenhosamente com todo o cuidado como se de uma mina se tratasse.
“Significa que, às vezes, num campo de 10 mil metros quadrados podemos encontrar uma, duas ou até 10 minas contra dois mil pedaços de metais”, disse Adérito, anotando que os sapadores que estiveram a trabalhar nesse campo têm de usar o mesmo cuidado de investigação duas mil vezes para encontrar só 10 minas. Isso torna o processo manual mais vagaroso e muito mais caro.
As máquinas, quer HITACHI quer Tempest, estão preparadas para accionar e esmagar minas durante as actividades de corte da vegetação. Quando isso acontece, espalham explosivos que são recolhidos pelo campo magnético das máquinas ou então pela desminagem manual.
Mas a explosão de uma mina tem um efeito negativo para o cão, porque a propagação do cheiro do seu conteúdo pelo meio, sobretudo nas áreas muito extensas baralha o “melhor amigo do Homem” quando chamado a identificar a presença das minas.
Moçambique é um Estado parte da Convenção de Ottawa, tratado jurídico internacional, ratificado em 1999, que obriga os 156 países signatários a concluírem a desminagem de todos os locais minados ou suspeitos conhecidos num período máximo de 10 anos. Moçambique pediu a prorrogação até 2014.
Ao abrigo deste instrumento, os países devem desenvolver igualmente acções educativas para a prevenção de acidentes por minas terrestres, bem como a advocacia, com vista a facilitarem a assistência e reintegração socioeconómica das vítimas causadas por estes engenhos. < >Leonel Muchano, da AIM

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